segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A importância do brincar na infância (Avril Brock )

É importante compreender a pedagogia do brincar, enquanto a reflexão, o debate e a pesquisa precisam ser contínuos para que se aproveite todo o seu potencial na aprendizagem das crianças
O conceito de brincar é infinitamente flexível, oferecendo escolhas e permitindo liberdade de interpretação. Assim, o objetivo deste artigo é incentivar os leitores a examinar suas percepções acerca do brincar. A maioria dos profissionais que trabalham com a educação e o cuidado inicial de crianças pequenas ao redor do mundo normalmente concorda que brincar é importante para o desenvolvimento, a aprendizagem e o bem-estar delas. Mas será que aqueles trabalham com crianças mais velhas, as autoridades ou o público em geral compreendem que brincar para aprender e se desenvolver é essencial tanto para as crianças quanto para os adultos?

Pode haver crenças diferentes sobre o que encerra o conceito de brincar, dependendo da cultura, do papel profissional, do treinamento e das experiências prévias. O desafio oferecido ao leitor é, portanto, refletir sobre quais podem ser as semelhanças e diferenças entre as diversas perspectivas sobre o brincar, além de se envolver com esses diferentes debates. Alguns con­si­deram que o brincar é uma questão ligada ao desenvolvimento, e não à educação; outros que brincar é somente para crianças pequenas; ou que o brinquedo não deve ser contaminado pela interferência dos adultos, sendo livremente escolhido pelas próprias crianças; ou que divertir-se é o elemento-chave para definir o que é brincar.

Ao se reunir para escrever o primeiro capítulo de Brincadeiras: aprender para a vida (Brock et al., 2011), os três autores constataram que, apesar de pertencer aos diferentes campos da psicologia, da educação e do recreacionismo, eles concordavam que brincar é de importância crucial, e revelou-se que suas perspectivas eram muito mais semelhantes do que teriam imaginado.

Os profissionais devem ser capazes de justificar a oferta de atividades lúdicas a um público variado, incluindo autoridades, pais e até mesmo as próprias crianças. Na verdade, elas têm as opiniões mais fortes sobre o brincar. Uma pesquisa sobre a boa infância (2009), realizada no Reino Unido, reuniu informações de 1.200 crianças e 1.700 adultos. Elas declararam ser muito importante brincar com os amigos, pois adquirem um sentido de identidade e pertencimento ao compartilhar experiências brincando.

O art. 31 dos Direitos da Criança do Reino Unido afirma que todas as crianças têm o direito de relaxar e brincar e que pode haver sofrimento quando isso não é possível. O trabalho de Brown (2011) com crianças em orfanatos romenos fornece exemplos de como elas foram negligenciadas - não puderam socializar-se nem exercitar-se porque permaneceram amarradas a seus berços. Fez muita diferença para o desenvolvimento das crianças o fato de adultos e estudantes terem sido estimulados a brincar com elas. O conteúdo das brincadeiras pode variar de acordo com a cultura infantil, mas a essência do brincar mantém-se firme em todas as culturas para todas as crianças, inclusive as portadoras de deficiências.

Como avó de Oscar e James há pouco tempo, ambos atualmente com um ano de idade, estou impressionada com sua capacidade de brincar, que eu vi desenvolverem desde os três meses, quando dei a cada um deles uma "cesta do tesouro" (Doherty, 2011) que eu mesma tinha montado com todo o carinho. Colecionei objetos cotidianos para exploração multissensorial para que eles pudessem iniciar suas primeiras experiências de brincar. Por meio da observação, comecei a desenvolver meu conhecimento e minha compreensão sobre como os bebês brincam. Eu já havia lido, escrito e pesquisado com pais e educadores da primeira infância sobre bebês, mas desta vez eu estava tendo incríveis experiências em primeira mão. Com apenas um ano de idade, as crianças já são brincadores capazes - adoram seu mundo de pequenos bonecos, seus instrumentos musicais, carrinhos e caixas de brinquedo. Elas levam o brincar a sério, e é emocionante analisar sua aprendizagem e seu desenvolvimento.

Brincar ao ar livre figura enfaticamente nas lembranças das pessoas no Reino Unido. Talvez esta seja a época em que elas se sentiram mais livres, aventureiras, exploradoras e felizes com os amigos. Quando se perguntou a um grupo de adultos o que eles recordavam sobre seu brincar quando jovens, uma resposta comum referia-se às cavernas que construíam - debaixo das mesas, em um galinheiro, usando secadoras de roupa de madeira. Em um grupo pré-escolar Waldorf Rudolph Steiner, sete dessas sacadoras foram oferecidas a crianças de 2 a 6 anos, as quais elas usaram para recriar ambientes da vida real. As crianças decidiam por si mesmas os papéis que desempenhavam, selecionando recursos de uma coleção de tecidos, roupas e caixas de papelão, podendo refletir sobre suas experiências lúdicas para os adultos no ambiente.

Os profissionais de educação e assistência infantil do Reino Unido trabalham com uma pedagogia baseada no brincar, um conceito complexo e caracterizado por definições contemporâneas variadas. A pedagogia compreende princípios, teo­rias, percepções e desafios que informam e moldam a oferta de oportunidades de aprendizagem. Ao oferecer uma pedagogia baseada no brincar, os profissionais consideram os métodos, a organização, as atividades, os recursos e o apoio adulto em seu planejamento para que as crianças possam aprender, ao mesmo tempo considerando as suas necessidades de desenvolvimento.

Os adultos que trabalham e brincam com crianças têm, portanto, um papel importante na tomada de decisões sobre a didática apropriada e os ambientes para brincar. Eles precisam levar em conta as disposições e a autoestima das crianças, baseando-se em sua diversidade de legados e experiências culturais, reconhecendo que as crianças são aprendizes capazes e confiantes, assim como valorizando as novas experiências que elas trazem todos os dias.

É preciso oferecer um ambiente favorável, que proporcione tempo e materiais para que as crianças brinquem interativamente e desenvolvam sua competência social. Segundo Olusoga (2011), a teoria sociocultural apresenta o desenvolvimento e o brincar das crianças como processos fundamentalmente sociais, sendo essencial manter a identidade sociocultural pela oferta de brincadeiras às crianças. Nesse sentido, temos de salvaguardar o brincar das crianças, e o papel dos adultos é imprescindível no manejo e no apoio do brincar.

Os bons profissionais são peritos em aproveitar a inclinação das crianças para aprender, tanto seu apetite por novas experiências quanto sua inclinação para "brincar". Crianças pe­quenas não fazem distinção entre "brincar" e "trabalhar", e os profissionais devem tirar proveito disso. Eles precisam compreender o valor de brincar e colocá-lo em prática com as crianças, oferecendo-lhes ambientes ricos que promovam todos os tipos de brincadeiras - espontâneas, estruturadas, imaginativas e criativas - e que lhes permitam realizar seu potencial de desenvolvimento, de educação e de bem-estar.

O jeito "bagunceiro" de brincar é só isso (caótico, desorganizado e confuso), ou as crianças estão explorando de forma multissensorial os recursos naturais e desenvolvendo seu conhecimento científico e matemático enquanto brincam com areia, água, barro, argila e terra? Os resultados ou realizações alcançados por meio do brincar são importantes ou os processos envolvidos nas experiências lúdicas são mais benéficos? A experiência de brincar deve promover o raciocínio, a resolução de problemas e a exploração, envolvendo certamente prazer e divertimento.

Também é importante saber o que as crianças pensam enquanto brincam, não apenas de uma perspectiva do prazer, mas também dos conteúdos e justificativas do que fazem brincando. Bons profissionais oferecem uma plataforma de apoio para o aprendizado infantil e promovem sua metacognição - o próprio pensamento das crianças sobre suas experiências lúdicas.

As crianças precisam tanto do livre fluxo das brincadeiras de iniciativa própria quanto dos desafios das intervenções dos adultos. Um envolvimento adequado pode expandir seu modo de brincar, fazendo-as travar diálogos por meio de perguntas de sondagem e refletir sobre seu próprio aprendizado através do brincar. Tal processo desenvolve a compreensão de adultos e crianças, formando novos entendimentos.

Os profissionais devem, portanto, estar bem-informados sobre a pedagogia do brincar. Para o profissional contemporâneo, este é um processo de constante desenvolvimento, no qual ele se mantém atualizado com sua complexidade e natureza multidimensional. Uma reflexão crítica sobre a prática pode desenvolver mais o conhecimento e a compreensão do brincar. Manter-se a par das pesquisas contemporâneas ajuda a renovar ou mudar a prática daqueles que buscam oferecer atividades lúdicas de alta qualidade, que satisfaçam as necessidades e os interesses das crianças.

O pensamento crítico sobre a pedagogia do brincar promove a análise e o discurso, apoiando a busca por novos entendimentos e permitindo um envolvimento com diferentes perspectivas. A pesquisa sobre o brincar oferece desafios interessantes e novas abordagens metodológicas. Quando o conhecimento é compartilhado mundialmente, diferentes perspectivas tornam-se internacionais, disseminando a abundância de conhecimentos e práticas sobre o brincar. Isso também reconhece e dá crédito a sua complexidade, além de trazer inspiração aos profissionais. É importante e até emocionante ser capaz de explicar a aprendizagem que se dá pelo brincar.

Como é relevante haver uma compreensão ampla e profunda da pedagogia do brincar, a reflexão, o debate e a pesquisa a esse respeito precisam ser contínuos a fim de promover o entendimento do potencial do brincar e como ele pode ser aproveitado para a aprendizagem das crianças (Brock, 2011). O envolvimento com perspectivas teóricas variadas sobre o brincar promoverá uma compreensão crítica do brincar equilibrada com as experiências práticas e profissionais. Assim, os profissionais estarão aptos a participar do debate contemporâneo sobre a complexidade do brincar no fórum público. Um fator-chave é, então, a qualidade do conhecimento, do pensamento e da tomada de decisões do profissional. Ele deve ter flexibilidade para tomar as próprias decisões profissionais, examinar sua participação na construção das experiências lúdicas e contribuir para os desafios que estão sendo propostos.

Este artigo abordou algumas das complexidades que compreendem o que o brincar é e pode ser. À medida que as teorias são examinadas e um novo pensamento é oferecido, as demandas intensificam-se e um maior conhecimento profissional é necessário. Por esse motivo, os profissionais devem questionar e discutir as diversas perspectivas sobre o brincar, com vistas a estimular o próprio conhecimento. A pesquisa contemporânea durante a última década exige que educadores e autoridades reflitam criticamente sobre a prática e as teorias estabelecidas que sustentem seu provimento, já que o conhecimento e a compreensão a respeito da complexidade do brincar são imprescindíveis.

Avril Brock é a professora responsável
pela disciplina de Educação da Infância na
Leeds Metropolitan University (Reino Unido).
A.Brock@leedsmet.ac.uk

REFERÊNCIAS

BROCK, A. Três perspectivas sobre a brincadeira. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011. BROWN, F. Playwork. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011. CHILDREN'S Society (2009) The Good Childhood Inquiry. Disponível em: . DOHERTY, J. A brincadeira para as crianças com necessidades especiais. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011. OLUSOGA, Y. Nós não brincamos assim aqui: perspectivas sociais, culturais e de gênero sobre a brincadeira. In: BROCK, A. e cols. Brincadeiras: ensinar para a vida. Porto Alegre: Artmed, 2011.


domingo, 7 de agosto de 2011

A INTERAÇÃO PROFESSOR-CRIANÇA EM MOMENTOS DE BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Saionara Costa (UNIVALI)
Maria Helena Cordeiro

Introdução
A reflexão que apresentamos neste artigo refere-se a uma discussão teórica sobre as características da interação professor-criança como momento de enriquecimento e valorização das vivências individuais e coletivas das crianças que freqüentam a Educação Infantil. Esta reflexão parte da pesquisa de Dissertação de Mestrado da primeira autora, que está em andamento, na qual nos propomos a avançar os estudos sobre a interação professor-criança na Educação Infantil, centrando o foco no papel do professor.
Enquanto pesquisadoras da Educação Infantil temos observado que um grande desafio dos professores é conhecer os desejos e as necessidades das crianças e como organizar cada tarde a partir das observações do dia anterior. Algumas dificuldades se apresentam com maior peso nessa empreitada: é necessário que o professor desenvolva um olhar atento sobre seus alunos, focando uma atenção mais detalhada em algumas crianças por tarde, mas, ao mesmo tempo, não pode perder de vista a dinâmica do grupo como um todo, registrando os diversos movimentos realizados em sala; precisa saber a maneira apropriada de interagir com cada criança nos momentos em que, sendo ou não solicitada, sua participação é necessária para instigar na resolução de um problema encontrado, para participar de uma brincadeira ou até mesmo para lembrar algumas regras combinadas pelo grupo para este momento de trabalho.
Com base no conhecimento sobre os processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças e como estas constroem seus conhecimentos, cabe ao professor promover esses processos, propiciando à criança o máximo de oportunidades para, autonomamente, construir conhecimentos em sua sala de aula. Faz-se necessário, para isso, criar meios que permitam ao professor avaliar os processos de interação em que está (ou deveria estar) envolvido, levando-o a construir a intersubjetividade com seus alunos, que consiste em o professor conseguir coordenar a sua interpretar da situação e dos objetos da interação com a interpretação realizada pela criança.
Desta forma, neste artigo, nos propomos a avaliar a atuação da primeira autora em sala de aula, com crianças na faixa etária entre 4 e 5 anos, a partir de observações de dois episódios videografados no tempo de atividades de livre escolha, partindo dos referenciais de Oliveira (2002), Hohmann e Weikart (1995/97), Davis (1989), Dias (2003), Verba e Isambert (1998).

A interação professor – criança no contexto da Educação Infantil
Para que a criança se desenvolva integralmente, é necessário que conheça bem o ambiente em que está inserida, manuseie os materiais e que seja respeitada em suas características individuais e ritmo próprio. Este ambiente exige do professor, como sujeito mais experiente das situações que se estabelecem no contexto de sala de aula, que pense nas possíveis interações que serão estabelecidas na sua sala e assim organize os móveis e materiais, isto é, ofereça materiais, e conforme sejam explorados procure variar estes materiais e acrescentar outros de acordo com a solicitação nas e pelas experiências do grupo (ZABALZA, 1998). Esta preocupação com o ambiente é fundamental para que efetivamente a sala de aula e as interações possam provocar desafios e possibilitem novas oportunidades de exploração e construção do conhecimento. (HOHMANN e WEIKART, 1995/97)
Assim, a participação da professora nas atividades de livre escolha das crianças, tem início quando a mesma recebe os materiais trazidos de casa no início do ano pelos pais e faz a seleção de quais serão disponibilizados nas estantes das áreas de trabalho, que serão oferecidas em sala e que estimularão as brincadeiras das crianças neste espaço. Podemos destacar a importância da organização do espaço feita por áreas de trabalho, enquanto possibilidade de desenvolvimento da livre iniciativa, independência, senso crítico, busca de soluções para pequenos problemas e criatividade. As crianças, aos poucos, constroem a autonomia e responsabilidade, como também se tornam organizadas, tendo um maior respeito com seus amigos e aprendendo a ouvi-los (HOHMANN e WEIKART, 1995/97).
Com o acompanhamento diário, observando e até mesmo brincando junto às crianças e percebendo seus interesses, necessidades e desejos, a professora organiza/reorganiza as áreas de trabalho. Desta forma, organizar o ambiente é fundamental para que efetivamente a sala de aula e as interações entre professor/aluno/objetos possam provocar desafios e possibilitem novas oportunidades de exploração e construção do conhecimento. (HOHMANN e WEIKART, 1995/97).

Análise do 1º episódio
As crianças terminam de fazer o planejamento, feito em pequeno grupo com a professora, e dirigem-se à área de trabalho escolhida. Neste dia, todas as crianças escolheram brincar na área da casa. Esta área é organizada com materiais trazidos pelos pais das crianças no início do ano: utensílios de cozinha [panelas, pratos de plástico, talheres grandes de plástico e de madeira, escorredor de louça, porta-sal, fogão, sorveteira, etc.], brinquedos [carrinho, bonecas, bonecos, móveis para casinha, berços], aparelhos eletrônicos fora de uso [rádio, mouse, teclado, telefones, walkie-talkie, etc.], máquina de escrever, carrinho e cestinha de compras, embalagens de produtos, caixa registradora e brinquedos de praia. Estes materiais são oferecidos em quantidade suficiente para favorecerem a brincadeira livre das crianças, proporcionando a troca entre elas e com as professoras.


Antonio
(Se aproxima da professora que está sentada em cima da mesinha da área da casa, observando as crianças que brincam nesse espaço)
Ô Saio, tu põe aqui com fita no meu braço?
Profª.
(Responde ao Antonio) Ponho!
Brian
Ô Artur, pega um garfo! Ô Artur, pega um garfo! Artur, tu tinha que pegar esse ó, só que esse eu peguei primeiro! (mostrando o garfo que ele pegou)
Profª.
(Fala para Antonio) Pega a fita lá... André, vai buscar a fita, então!

A pega a fita na área de artes e entrega-a à prof.
Profª.
Como se faz com a fita? (A professora se abaixa para atendê-lo.)
Antonio
(Responde à professora) Enrola de fita assim. (Antonio faz o movimento de como a professora pode fazer.)
Profª.
(A professora convida outra criança próxima para ajudá-lo) ó Artur, ajuda o Antonio a colocar a fita no... na... no braço? (Artur faz que sim com a cabeça.) Então, vem, vem cá ajudar. Ele e você se ajudam.

Artur ignora o convite da professora
Artur
ô Saio! ... tem dois negócio desse Saio? Tem dois também? (refere-se às colheres de pau) Ai, já sei, já sei! Dois negócios fica massa!
Profª.
Só que ontem essa brincadeira deu um probleminha, né? Que você machucou o Gilberto. Então hoje, tomar cuidado para não machucar os amigos. (Saio fala olhando para o Artur)
Artur
o Daros?
Profª.
Não, você machucou o Gilberto Silva. Lembra que você bateu com o celular nele? Aí ele chorou. Porque machucou. Bateu na mão. Então, tem que tomar cuidado.
Artur
(Artur mostra aonde quer que a professora coloque a colher dele com fita: no cotovelo.)
Profª.
queres ajuda? (pergunta para o Artur)
(Saio cola com fita o garfo no braço do Artur)
Artur
(Artur vai até a estante buscar mais talheres grandes)
Brian
(Brian se afasta e vai até a estante.)
Antonio
Eu não machuco assim, ó. Eu não fico batendo. (refere-se ao comentário da professora).
Profª.
(para Antonio) É?
Artur
(para o Brian) Vamos pegar outro negócio!
Brian
Eu quero outro desse! (refere-se à colher)
Antonio
Eu também!
Artur
outro pro braço!

Coloca no meu joelho?
Profª.
Ã?
Antonio
Põe no outro braço!
Profª.
(Para Arnaldo) Coloco!
Brian
Tú vai pôr aonde, ar? No braço ou no joelho?
Artur
Nos dois!
Profª.
Deu? (Ri para o Antonio e cola outra colher no Artur)
Profª.
Calma eu vou arrumar. (responde a um comentário de Artur que não dá para entender) O outro. Deixa a Saio sentar. Quê? Vê se ela fica presa.
Brian
Não, ela faz assim, ó!
Profª.
Ãaaa!


A cada realização das atividades de livre escolha é importante que, enquanto a professora acompanha a dinâmica do grupo, consiga priorizar algumas crianças para que possa acompanhá-las e observá-las durante a realização de suas brincadeiras. Ao focar a atenção sobre determinada criança ou um pequeno grupo, a professora torna-se disponível para atendê-los conforme a necessidade. Conforme é solicitada, poderá estabelecer trocas significativas com as crianças, ao apoiar a brincadeira ou incentivar a maior participação de outras crianças. Dois comportamentos necessários do professor neste tempo, e que são apontados pela TCIS, Escala de Interação adulto-criança, (Farran e Collins, 1996), são o envolvimento verbal e físico do professor. O professor precisa cuidar da maneira como se dirige às crianças e como propõe a troca entre elas.
Quanto ao envolvimento físico, no início do episódio transcrito, pode-se perceber o movimento da professora em se aproximar da criança para lhe dar o apoio solicitado, curvando-se para ficar à altura dela. Além disso, ao ajudar as crianças a enrolar a fita nos braços e nas pernas, ela o faz com calma e movimentos suaves, mostrando-se receptiva em relação aos interesses da criança. Durante todo o tempo, ela escuta e responde às demandas das crianças, sem tentar conduzir a atividade, inibindo suas iniciativas. Esse compartilhamento do controle não impede que a professora incentive as crianças a resolverem seus próprios problemas e buscarem apoio umas nas outras quando necessário. Assim, ela convida Artur a ajudar o colega, embora ele não tenha respondido a essa solicitação. Nesse momento, nota-se que a professora poderia ter sido mais convincente, se tivesse conseguido mostrar para as crianças a ligação entre as ações que cada uma vinha desenvolvendo, tornando mais específica e mais concreta a sugestão “Ele e você se ajudam”. Ao não obter sucesso nessa tentativa de transferir para as crianças a responsabilidade de resolução do problema de forma cooperativa, a professora tomou para si essa responsabilidade, deixando de proporcionar às crianças importantes experiências que poderiam promover o desenvolvimento da iniciativa e relações interpessoais.
Já no momento em que alerta sobre o cuidado que Artur deverá ter ao realizar sua brincadeira, devido ao acorrido no dia anterior, a professora demonstra uma maneira positiva do envolvimento verbal, pontuando e relembrando o combinado do grupo, que é respeitar o corpo do amigo. Ao fazer isto, ajudou a criança a representar mentalmente suas ações, de forma a compreender e antecipar as conseqüências das mesmas, aprendendo a se responsabilizar por seus atos.
Em todo o episódio transcrito acima, a professora demonstrou uma grande tranqüilidade em transferir para as crianças o controle da brincadeira, colocando-se ao nível delas, e envolvendo-se na mesma como mais um participante.
Outro aspecto importante neste episódio se refere ao uso dos materiais, nomeadamente da fita adesiva. Esta brincadeira foi realizada em uma época em que as crianças estavam explorando as propriedades dos materiais e a fita adesiva era um dos materiais mais sedutores para elas. A possibilidade de usar este material em quantidade suficiente para atingir os objetivos propostos permitiu que as crianças experimentassem todo o processo, desde a criação da idéia (transformar-se em um robô) até à visualização do resultado do que tinham planejado realizar, proporcionando o desenvolvimento da representação criativa.

Análise do 2º Episódio
Logo após Artur ir embora, Brian e Antonio interrompem a brincadeira com as colheres de plástico e de madeira. Brian inicia uma brincadeira embaixo da mesa do canto da casa com a Luisa e a Ana Cristina, enquanto Antonio dirige-se para o canto da linguagem. Depois de um tempo, aproximadamente onze minutos após o início desta situação, as crianças retornam para baixo da mesa e a professora senta-se no chão, ao lado delas, para observá-las enquanto brincam. 


Brian

Quer mexer um pouquinho no meu computador? (pergunta para a professora que estava sentada perto da mesa)

Profª.

Quero!

Brian

Eu vou por nos jogos

Profª.

Que jogos tem?

Brian

Stuart Little

Profª.
(fala para o Brian) do Stuart Little? E como é que se joga?
Brian
tu põe ele, o skate embaixo dele, se ele não tiver com o skate, ele não anda
Profª.
(arruma o pezinho do teclado)
Brian
Ele anda sozinho só quando tem os bichinhos de um lado, aí tu mata
Profª.

Tá, como é que eu faço pra matar?

Brian
Tu tens que pular em cima dos bichinhos
Profª.

Vamos lá

Brian

Tá levantado o pezinho de dentro (referindo-se ao teclado)

Profª.
Ó, Stuart (digitando no teclado)
B rian
(mexe com o mouse) Tem que pegar o skate, né? (olha pra frente como se tivesse monitor)
Profª.

Aham! Tem que pegar o skate!

Brian
Não, só quem quer anda em cima do skate.
Profª.

Ah pode andar sem skate também?

Brian
(faz que sim com a cabeça)
Profª.
Ah, então vou andar um pouco com skate e depois eu vou trocar...
Brian
Só que não dá mais pra sair depois
Profª.
Ah, não? Fica até o final do jogo?
Brian
Não, então tem que pegar uns negocinhos, uns negocinho de impulso pra ti sair, senão tem que pular com o skate.
Profª.

Mostra então como é que se joga pra eu aprender! (entrega o teclado pro Bruno) Depois eu jogo!



Assim que a professora senta, Brian já a convida para brincar. A presença do professor nos cantos encoraja a criação das crianças, seja apenas observando-as ou, como mostrado acima, entrando na sua brincadeira, a convite das crianças.
Nestas trocas, a criança se constitui dentro de sua cultura, se apropriando de formas de pensar, agir e sentir próprios do seu meio. Segundo Oliveira (2002) o professor deve “ser uma pessoa verdadeira, que se relacione afetivamente com a criança, garantindo-lhe as expressões de si, visto que ela precisa de alguém que acolha suas emoções e, assim, lhe permita estruturar seu pensamento” (p.203). O professor é modelo de atitudes e hábitos e de acordo com a autora (op. cit.) é “um recurso de desenvolvimento para a criança” (p. 139). Precisa ser afetivo, observador, disponível, responsivo, conhecer os desejos das crianças e propor novos desafios e registrar, além de ser exemplo e transpor nas suas relações com as próprias crianças, normas para se relacionar com os outros. Ao entrar na brincadeira de faz-de-conta das crianças, o professor precisa ter a habilidade de assumir o papel que as próprias crianças lhe atribuem, ou que é criado naturalmente na dinâmica da brincadeira, tendo o cuidado para não assumir a liderança da mesma, direcionando sua realização. Desta forma, ele pode interagir com as crianças, enriquecendo suas experiências de aprendizagem sem escolarizá-las. Por exemplo, no episódio acima descrito, a participação do professor como um aprendiz que precisa ser orientado pela criança para conseguir realizar o jogo, fez com que a brincadeira se tornasse mais complexa, elevando consideravelmente o nível de envolvimento da criança na atividade, pela introdução de problemas a serem resolvidos pela criança. As questões da professora sobre o funcionamento do jogo obrigaram a criança a construir uma representação mais detalhada do mesmo, introduzindo relações de tempo “só quando tem os bichinhos de um lado”, de espaço “tu põe ele, o skate embaixo dele”, “Tu tens que pular em cima dos bichinhos” Tá levantado o pezinho de dentro” “só quem quer anda em cima do skate e de implicação lógica do tipo se...entãose ele não tiver com o skate, ele não anda”, “então tem que pegar uns negocinhos, uns negocinho de impulso pra ti sair, senão tem que pular com o skate”. A professora provocou um avanço na linguagem da criança que, normalmente, não expressa verbalmente esse tipo de relações lógicas, limitando-se a usar frases mais simples, sem subordinação.

Considerações finais
Um aspecto relevante deste trabalho foi mostrar a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil, considerando que a criança não brinca apenas por brincar, mas sim que, é através da brincadeira que acontece o seu desenvolvimento intelectual, físico e afetivo. O brincar é uma ação do ser humano integral, que o desenvolve físico e intelectualmente, favorecendo a construção de vínculos afetivos e sociais positivos, sendo esta última uma condição necessária para que possamos conviver em grupos.
O professor é responsável em proporcionar interações positivas com as crianças, como também em assegurar as trocas e aprendizagens paralelas entre elas. Para tanto, é necessário que ele lhes ofereça momentos em que possam brincar todas juntas, em pequenos grupos ou individualmente e ainda que saiba atuar e intervir nestas situações. O professor, como o sujeito mais experiente das relações estabelecidas em sala e estudioso deste âmbito da Educação, considera que as crianças aprendem juntas, seja ao imitar uma brincadeira ou aprender possibilidades para resolver uma atividade, um conflito ou uma situação-problema. Com isso, o professor é o responsável em organizar a rotina, tempo e espaço, diária de seus alunos propiciando as trocas entre os pares e com ele mesmo.
Ao valorizar a ação da criança na construção do seu conhecimento o professor oferece apoio à sua atividade sem interferir no que está a fazer, seja observando-a ou até mesmo sendo um sujeito da brincadeira. Mas para que isso aconteça, faz-se necessário que este aprenda a ouvi-los, saiba dar sugestões e aceite as sugestões das crianças, que auxilie na organização destes momentos, que seja atencioso, demonstrando carinho e respeito pelas crianças.
O enfoque utilizado para compreender a interação professor–aluno em sala de aula foi o psicológico–interacionista, por nossa preocupação estar no desenvolvimento e na aprendizagem da criança, considerando que a aprendizagem pela ação é uma condição necessária para a reestruturação cognitiva e para o desenvolvimento (Hohmann e Weikart, 1997).

A corrente interacionista deu espaço a vários estudos relativos à contribuição das interações sociais nas modificações dos conhecimentos e das competências práticas nas crianças, em relação às quais é amplamente reconhecida e demonstrada a importância do papel do adulto (pai ou educador) (VERBA & ISAMBERT, p. 245, 1998).

De acordo com Davis (1989) “Cabe a ele [o professor] garantir a simetria das relações que se estabelecem entre os alunos, evitando que uns se calem, outros apenas obedeçam e outros ainda dominem. (...) criando condições para a colaboração, a compreensão mútua e a comunicação produtiva.” (p.54). Além disso, cabe também ao professor, como integrante ativo destas interações e o mais experiente, pensar e organizar as atividades que garantam a aprendizagem de seus alunos, sendo bem estruturadas e que promovam a interação entre as crianças, isto é, comunicação e trocas; observar e participar quando preciso, enfim, auxiliar os alunos quando necessário para que superem os desafios apresentados em seu processo contínuo de construção do conhecimento. (Davis, 1989)
Um outro aspecto relevante destes primeiros momentos na Educação Infantil é a organização dos tempos da rotina feita pelo professor. Dias (2004) afirma que “a rotina também deve nascer da leitura que as professoras fazem do grupo e de sua própria atuação neste contexto, porque o adulto também faz parte do grupo. Para tanto, é necessário que os adultos também participem ativamente do que as crianças propõem, se envolvam, experimentem, criem, brinquem com as crianças nestas vivências ricas de significados e informações” (p.99).
Segundo esta mesma autora “a rotina influência o comportamento dos componentes do grupo, permite algumas atividades e afasta outras, estrutura as interações (adulto/criança, criança/criança, criança/objeto) e acima de tudo, propicia mediações importantes e necessárias” (p.99). É importante destacar na organização dos tempos da rotina diária a partilha do controle das atividades, ora dirigida pelos professores, ora pelos alunos e ainda o tempo em que ambos partilham o controle.

Referências
DAVIS, C; SILVA, M.A. S. S.; ESPÓSITO, Y. Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Cadernos de Pesquisa, São Paulo (71): 49-54. Novembro 1989.
DIAS, J. Um estudo sobre a interação adulto/criança em grupos de idades mistas na Educação Infantil. Dissertação de Mestrado: UNIVALI, 2003.
FARRAN, D. C.; COLLINS, E. N. – Teacher Child Interaction Scale. Vanderbilt University e University of North Caroline. 1996;
HOHMANN, M. WEIKART, D.P. Educar a criança pela acção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
OLIVEIRA, Z. M. R. Educação Infantil: fundamento e métodos. São Paulo, Cortez, 2002.
VERBA, M; ISAMBERT, A. A construção dos conhecimentos entre as trocas entre crianças: estatuto e papel “dos mais velhos” no interior do grupo. in: BONDIOLI, A. Manual de Educação Infantil: de 0 a 3 anos – uma abordagem reflexiva. 9. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
ZABALZA, M.A. Qualidade na Educação Infantil. Porto Alegre: ArtMed, 1998.


*Mestre em Educação pela UNIVALI e professroa do Colégio de Aplicação UNIVALI -  saio@univali.br
** Doutora em Educação – e-mail: mhcordeiro@univali.br