domingo, 7 de agosto de 2011

PESQUISAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Estimulação: o desafio para decidir o estilo e a quantidade “correta” de intervenção durante a brincadeira livre das crianças
Saionara Costa, Msc*
Maria Helena Cordeiro, PhD**
Eliana Bhering, PhD***

Introdução
A pesquisa que inspirou este artigo originou-se das observações diárias e das necessidades destacadas no trabalho realizado pela primeira autora na Educação Infantil do Colégio de Aplicação UNIVALI e no grupo de estudos de que participa há cinco anos nesta mesma instituição. O grupo é constituído pelas professoras da Educação Infantil e pelas pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento e Educação da Infância do PMAE (Programa de Mestrado Acadêmico em Educação) dessa Universidade, incluindo as duas co-autoras deste artigo. O grupo vem desenvolvendo o PINTEI - Programa Integrado de Educação Infantil, que inclui a realização de encontros mensais para reflexão sobre a prática pedagógica desenvolvida pelas professoras, tendo como apoio a leitura de autores que destacam as práticas na Educação Infantil como: Zabalza (1998), Hohmann & Weikart (1997), Gandini, (2002), Helm & Beneke (2005), entre outros.
A discussão de questões relacionadas à concepção de criança e de educação, ao desenvolvimento infantil, ao ambiente, à organização do trabalho com as crianças e à interação adulto-criança, tem constituído a base deste trabalho, provocando construções e reconstruções de conceitos.
Iniciamos reorganizando os cantos da sala (da música, da higiene, da história, das lancheiras, do jogo e da casa), em áreas de interesse: casa, artes, linguagem, natureza, jogos e blocos. Os cantos eram utilizados pelas crianças no tempo dos ateliês, nos quais as atividades eram organizadas somente pelas professoras; as áreas de interesse foram disponibilizadas para que as crianças tivessem a possibilidade de escolher as atividades que queriam desenvolver e a forma como as desenvolveriam. Para isso, diversificamos os materiais disponibilizados, seguindo as sugestões do livro “Educar a Criança” (HOHMANN E WEIKART, 1997). Nossa preocupação era oferecer objetos e materiais em quantidade e variedade, que possibilitassem às crianças a liberdade de escolher com o que brincar, sem que houvesse conflitos devidos à escassez de materiais, proporcionando, assim, momentos prazerosos de brincadeira, fundamentais a sua socialização. Organizar o ambiente é fundamental para que efetivamente a sala de aula e as interações entre professora/crianças/objetos possam provocar desafios e possibilitem novas oportunidades de exploração e construção do conhecimento.
O passo seguinte foi refletir sobre a rotina diária proposta às crianças e, assim, reestruturá-la em tempos de trabalho individual, pequenos e grandes grupos, lanche, recreio, parque e atividades extra-classe. Foi enfatizada a necessidade de que fosse garantida a partilha do controle das atividades entre as crianças e as professoras em todos os tempos da rotina e independentemente da forma como o grupo estivesse organizado (individualmente, em pequenos grupos ou em grandes grupos).
E agora, o que desafia o grupo de professoras? Com certeza, é a maneira como interagem com as crianças. Apesar de organizarem a rotina dividida em tempos nos quais professoras e crianças partilham o controle da atividade, se questionam se oferecem possibilidades às crianças ou ainda dirigem todas as suas atividades; se respeitam a iniciativa da criança; se sabem ouvi-la, ou antecipam seu pensamento; se dão o apoio necessário, assegurando sua aprendizagem, ou se estão caindo no espontaneísmo; se interferem na atividade, ou permitem que a realizem autonomamente e como o fazem.
Foi a partir destas indagações que surgiu o interesse em estudarmos a interação professor-criança no contexto da Educação Infantil.
Paralelamente à participação no PINTEI, a primeira autora começou a desenvolver seus estudos de pós-graduação, sob a orientação das outras duas autoras, o que a levou a se interessar pelas indagações que se faziam presentes no seu cotidiano escolar. Acreditava que a busca em compreender tais assuntos lhe proporcionaria a tomada de consciência sobre as suas ações em sala, contribuindo para que, no seu dia-a-dia, se tornasse capaz de identificar as necessidades e a forma mais adequada de intervir junto ao seu grupo de crianças.
Assim, pensando no desenvolvimento profissional das professoras nos próximos estudos desenvolvidos no PINTEI, decidimos investigar a interação da professora (primeira autora) com as crianças, durante o tempo de brincadeira livre. Desafiava-nos a idéia de contribuir para a construção de caminhos que possibilitem aos professores a avaliação de sua própria prática de uma forma mais científica. Não se trata só de verificar os efeitos dessa prática no comportamento e no desenvolvimento e/ou na aprendizagem das crianças. Trata-se de criar uma forma de auto-avaliação em que o professor possa olhar-se, isto é, se ver atuando, para que possa tomar consciência de todas as suas ações, seus gestos, suas expressões verbais e não verbais, sua postura física, seu tom de voz. Partíamos do princípio que o desenvolvimento profissional do professor não é uma questão apenas técnica. Mudar a prática implica também em mudanças de ordem afetiva e, para isso, é necessário que o professor se confronte, não apenas com suas ações, mas também com suas emoções, tomando consciência da relação entre suas ações, seu conhecimento e suas emoções. Consideramos que isso só é possível se o professor for sujeito de sua própria reflexão, de sua própria investigação. Este se tornou, então, o grande desafio que resolvemos enfrentar: desenvolver uma pesquisa em que o principal pesquisador é sujeito de sua própria investigação, embora, enquanto sujeito, ele esteja no papel de professor e não de pesquisador. 
Tomada a decisão de investigar a própria interação com as crianças no desenvolvimento das atividades em sala, os próximos desafios da professora-pesquisadora eram de ordem metodológica: Como tornar isso viável?
Optar por ser sujeito da minha própria investigação não foi uma decisão fácil. Não era apenas a situação de me expor enquanto sujeito de pesquisa que me perturbava. Como pesquisadora, preocupava-me muito mais com a possibilidade de produzir, ou não, um trabalho científico. Questões sobre objetividade X subjetividade de meu olhar, a impossibilidade, ou não, de manter o distanciamento necessário foram pensadas e repensadas, discutidas e rediscutidas.

Estudos que buscam conhecer a dinâmica da interação de professores com as crianças utilizam-se da observação, por ser este um método adequado para investigar e registrar os processos de interação que ocorrem entre dois ou mais sujeitos, no próprio momento em que eles ocorrem. Não se trata de investigar representações, mas ações (inter-ações), mesmo que o conhecimento das representações seja necessário para a compreensão dessas ações, por isso a presença do observador in loco é fundamental. Segundo Richardson (1999) a observação é a base de toda investigação no campo social, podendo ser utilizada em trabalho cientifico de qualquer nível, desde o mais simples estágio até os mais avançados. A pesquisa educacional pode explorá-la utilizando diferentes técnicas de observação, como listas de verificação, avaliações e escala de avaliação, anedotários ou diários de comportamento, resumos periódicos, registros fotográficos, videografia, observações de amostras de tempo, além de outros.
Optamos por efetuar gravações em vídeo, para que, posteriormente, pudéssemos trabalhar com esse material. Consideramos que ele se constituiria em um meio para que a pesquisadora-professora pudesse se ver “no espelho” e buscar organizar as emoções, as sensações, as percepções, as dificuldades e impressões, tanto as vividas na época e revividas ali, na hora em que se defrontava consigo mesma, como as novas, provocadas por esse confronto. “O vídeo tem uma função óbvia de registro de dados sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único observador, enquanto ele se desenrola” (BAUER, 2002, p.149). Ele permite verificar detalhes da situação que, passado algum tempo, poderiam ser esquecidos pelos sujeitos que observaram ou vivenciaram o acontecimento. Além disso, permite sua posterior reconstituição, o que possibilita que a análise seja realizada por alguém que poderia não estar presente no exato momento em que o fato ocorreu. Assim, o uso do vídeo é um aspecto fundamental no caso desta pesquisa, devido ao duplo papel desempenhado pela pesquisadora: na hora em que os episódios se desenvolvem, ela é parte deles, mas não como pesquisadora e sim como professora. O papel de pesquisadora é assumido mais tarde, quando ela passa a observar e analisar os episódios videografados. Como afirma Bauer (2002, p.141) “[...] o aprender não é somente necessário para um reconhecimento básico, ele está também envolvido diferencialmente na percepção de detalhes significativos”.
Optamos, também, por realizar esses registros nos momentos da rotina em que todas as professoras que participavam do PINTEI tinham mais dúvidas sobre a adequação e os limites de suas intervenções: o tempo em que as crianças assumiam um maior controle de suas atividades, pois podiam planejá-las, realizá-las e revê-las e que denominaremos de “tempo de brincadeira livre”.
Acreditamos que a relevância e a originalidade deste trabalho consistem na possibilidade da professora pesquisar a sua própria prática, mediante a garantia das condições necessárias para se fazer este tipo de pesquisa: desejo e disposição, aprender a problematizar, dispor de tempo para pesquisa, acesso a materiais, fontes de consultas, bibliografia, espaço físico e assessoria técnico-pedagógica para o desenvolvimento das ações, além da interlocução com a equipe de colegas e especialistas (neste caso, tanto do PINTEI como do grupo de pesquisa, incluindo a própria orientadora).
Esperamos que, com este trabalho, além de proporcionar a iniciação da primeira autora para o “tornar-se” pesquisadora possamos contribuir para o avanço dos estudos do PINTEI, no que diz respeito à interação professor – criança, pois acreditamos que seja este um fator necessário para a valorização das vivências individuais e coletivas infantis nos espaços da Educação Infantil e conseqüentemente, para a promoção do desenvolvimento das crianças. Esperamos também que ele possa servir como suporte para a construção de instrumentos de auto-avaliação e auto-formação que poderão ser utilizados tanto na formação inicial como na formação continuada de professores para avaliar as suas interações com as crianças, pelo menos no tempo da brincadeira livre.


* ECE professora de Educação Infantil no Colégio de Aplicação UNIVALI, Itajaí/SC - Brazil
** Pesquisadora – Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – SC – Brazil
*** Pesquisadora – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – RJ - Brazil

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