quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Considerações importantes sobre a prática com a literatura no espaço escolar

Quando incentivamos a leitura através dar investir na arte. Ou seja, optamos por priorizar e acreditar no potencial subjetivo de cada estudante e no texto artístico como um meio eficaz para garantir a permanência do leitor.

Entretanto, para iniciarmos nossas reflexões sobre a prática da literatura em sala de aula, precisamos, antes, nos fazer algumas perguntas:
  • Sou um leitor?
  • Considero a literatura como manifestação artística e revelo isso aos meus alunos?
  • Envolvo-me com os livros de literatura, como me envolvo com os livros didáticos que utilizo em sala?
  • Leio os livros escolhidos e procuro me relacionar com eles enquanto leitor, antes de ser professor, ou tomo o volume nas mãos sem me preocupar em apreciar a obra?
  • Incentivo meus alunos a serem leitores de outras obras?
  • Incentivo meus alunos a visitarem livrarias e bibliotecas públicas?
  • Faço o mesmo comigo?
  • Faço uma "ponte" entre a literatura e a cultura (cinema, teatro, mu-seu)?
  • Promovo debates e permito que eles falem sobre o que está lendo?
  • Escuto o repertório cultural que eles têm?
  • Procuro levar em consideração a extensão da palavra "interpretação" para respeitar e compreender o pensamento de meu aluno?


Responder a essas perguntas é o primeiro passo para a consciência de uma prática de sala de aula mais consciente e prazerosa e, acima de tudo, mais transformadora.


O diagnóstico inicial: a sala de aula como espaço agradável

A sala de aula é o espaço onde as crianças ficam um turno do seu dia. Talvez, elas não passem tanto tempo seguido em companhia de ou¬tras pessoas, como passam na companhia do professor e dos colegas. Por isso, é necessário tornar esse espaço o mais aprazível possível.

Seria interessante que o espaço físico da sala de aula oferecesse aos estudantes uma condição material confortável para o estudo e a concen¬tração. Entretanto, não é só isso que define o espaço como "aprazível".

Um local agradável é aquele que abriga o desejo de ser interessante. Nele, o professor e o estudante se encontram para estabelecer trocas, se¬dimentar relações, aprender e (por que não?) ler literatura.

Consagrar a sala de aula como um espaço que promove alguns ra¬ros prazeres, como compartilhar uma boa leitura, é um bom começo para enredar o estudante numa rotina prazerosa e estreitar seus vínculos com a leitura.

A literatura aproxima as pessoas. Através dela poderemos conseguir, na prática, que os nossos alunos tenham desejo de frequentar a escola, de caminhar em direção a ela, curiosos pela nova história ou pela continua¬ção da história já iniciada pela professora. Por que não começar o turno de trabalho contando histórias? Sem rigor. Sem a obrigatoriedade de uma ati¬vidade, mas desejando essa atividade. Implicando as crianças nessa pro¬posta. Deixando que cada um contamine a sala com fadas, cavalos alados, bruxas e feiticeiros, guerreiros possantes, armas e flores, guerras e amores e todos os elementos que contam sobre a vida pelo viés da metáfora.


Local para os livros na sala de aula

Para que as crianças respeitem um objeto e construa com ele uma relação de troca é necessário que elas convivam com esse objeto. As crianças têm convivido pouco com os livros. Ou seja, o livro vem se transformando num objeto estranho à sua realidade e a seu cotidiano -

Teoria e prática da formação do leitor 85 deixando de se apresentar para a criança como um curioso objeto a ser explorado.

Existem algumas saídas para se criar na sala de aula um espaço destinado aos livros de literatura:

  • Antes de mais nada deverá ser dito ao grupo sobre a ideia da mi-nibiblioteca e as regras que farão parte do empréstimo dos livros.
  • Com uma mesa ou um pequeno espaço reservado no canto da sala, você pode criar uma minibiblioteca. Caso sua sala seja utilizada também por outro professor basta retirar os livros ao final da aula e os guardar em lugar seguro, para serem retomados no dia seguinte.
  • O número de livros pode ser variado. Com 15 livros você já pode co-meçar seu espaço. Esses livros deverão ser trocados a cada mês ou a cada dois meses, a depender da demanda dos estudantes. Cuidado! Os livros deverão ser selecionados pelo professor, com um critério que envolva a faixa etária e variedades dos gêneros textuais.
  • Os livros deverão estar no mesmo espaço todos os dias, não im-portando se a criança os toma para ler, ou não.
  • Num primeiro momento, não se deve exigir nenhum retorno dessa leitura. Ela deve ser incentivada, através de um comentário so¬bre o fragmento de alguma das histórias, uma provocação, do tipo "vocês não sabem a aventura que eu li nesse livro". É importante salientar que, para isso, o professor deverá estar em dia com a lei¬tura dos livros destinados à minibiblioteca.
  • Depois de sedimentada a ideia da "minibiblioteca", o professor poderá fazer pequenas provocações: quem quer escrever o resumo do livro que leu?, quem quer contar a história desse livro?, quem quer fazer uma lista dos melhores livros? O "quem quer" sinaliza para a não obrigatoriedade da tarefa.



A biblioteca da escola

Além do espaço reservado aos livros na sala de aula, é muito impor¬tante que as escolas possuam sua própria biblioteca. Esse espaço, comum a todos, deverá ser tratado com o máximo de respeito:

  • A biblioteca nunca deve ser usada como o espaço do bate-papo. Aquele aviso de "silêncio" vale para todos, mas ela não precisa se converter num espaço desagradável e temido onde ninguém pode falar.
  • É importante ser feito um trabalho permanente com as crianças para que aprendam a preservar o espaço e os livros.
  • Transitar entre livros literários e não literários é muito importante para o reconhecimento dos diferentes textos. Portanto, promova atividades livres, onde os estudantes possam se aproximar de toda qualidade de livro.
  • Possibilite trocas entre as diferentes turmas. A biblioteca é um ótimo espaço para isso. Mesmo entre as diferentes faixas etárias podem ser criadas atividades interessantíssimas, tendo na leitura da literatura um veículo de aproximação. Ex: os maiores contarem histórias para os menores.
  • O professor é modelo de postura. Se você leva seus estudantes à bi-blioteca e a utiliza como ponto de encontro para você, ou uma pausa no seu trabalho, não espere do estudante um comportamento diferente desse.
  • Além de livros, não se esqueça de ter gibis nesse espaço. O gibi já foi consagrado como literatura e vem se mostrando como um ótimo começo para se trabalhar a organização do pensamento sobre a sequência da narrativa. Cabe ao professor não permitir que esse seja o único interesse da criança.
  • Não subutilize as paredes da biblioteca. Use e abuse para pôr tudo que você encontrar sobre leitura e literatura: recorte de jornal, lista dos mais vendidos, fragmentos de catálogo de livros, com resumos e fotos, indicações de leitura feitas pelas próprias crianças, etc.
  • Faça rodas de leitura "de verdade". Ou seja, reúna o grupo, crie atividades de leitura em voz alta e interaja com eles num grande jogo. Cabe ressaltar a importância de programar bem o dia dessa atividade. Se houver um leitor na biblioteca, o professor deve ir para outro lugar, evidenciando o respeito que se deve ter por quem chegou primeiro no espaço.
  • Se, por algum motivo, a criança precisar se afastar da sala de aula, não a destine para a biblioteca. A biblioteca nunca deve ser associada a um lugar de castigo.
  • Por último, se a sua escola não tiver uma biblioteca, comece a "batalhar" por uma. Para isso, não idealize algo que você não possa alcançar. Espaços ideais, já vimos isso, não necessariamente são os mais bonitos ou equipados, mas são aqueles onde decidimos fazer um bom trabalho.
  • Peça doações à comunidade. Selecione com os próprios estudantes. Criar um espaço chamado biblioteca poderá envolver a escola inteira num projeto tão nobre e de tanta importância para todos.



Como iniciar um trabalho com leitura de literatura

Para dar início ao trabalho com leitura de literatura é muito impor¬tante que o professor se desapegue de alguns conceitos e comportamentos em relação à sua prática e ao trabalho com o texto escrito. É Bartolomeu Campos de Queirós (1997, p. 43) quem nos dá uma lição sobre isso:

A literatura (arte) não é servil. Ela só existe em liberdade, e seu compromisso é para com a revelação. Para tanto persegue a beleza. Daí, todas as vezes que a escola lança mão da literatura, quer transformá-la em "instrumento pedagógico", mesmo cortando as asas do leitor para um voo amplo, desme¬dido, desfronteirado. A escola reduz as funções maiores do texto literário e o transforma em objeto de convergência, sem escrúpulo. Se o texto é usado para saber aonde o autor quis chegar, é melhor pegar o telefone e perguntar ao escritor. Se ele souber, ele responderá e não haverá desperdício de tempo.

Transpondo esse trecho para o início de uma prática com a literatura, poderíamos começar fazendo algumas observações, que servem de trampolim para um mergulho nesse tema tão importante:
  • Antes de conduzir o seu aluno para o mundo da literatura que você considera de qualidade, você deverá se mostrar disposto a conhecer o dele.
  • Faça rodas de conversa. Nesse momento, deixe as crianças falarem sobre as coisas que gostam de fazer: sua rotina, seus lazeres, sua família, etc. Aproveite a ocasião para falar de você - seus lazeres, seu passatempo, seus livros prediletos. Com isso, haverá um aumento da interação entre vocês. E você, professor, poderá conhecer melhor sobre os motivos das dificuldades pedagógicas dos alunos.
  • Exercite a capacidade de escuta. Dessa forma você filtrará quais são os gostos literários de seus alunos, ou começará a apresentar para eles que determinados temas de interesse geral, como super-heróis, aventuras macabras e histórias de amor, estão contidas em livros.
  • Comece e/ou termine o dia lendo uma história. É uma forma sorridente de desejar boas-vindas ou dizer "até amanhã", além de tornar viva a palavra. Pesquisas indicam que a leitura em voz alta agrega o estudante em torno do texto, assim como desperta seu interesse para a escrita.
  • Decidir pela literatura como incentivo à leitura é escolher pela arte. E a arte, por sua vez, comunica-se diretamente com a cultura. Portanto, passeie por todas as artes e as conduza ao texto literário. Para isso, comente sobre teatro, sobre exposições, sobre cinema e sobre todas as atividades culturais e artísticas que estejam acontecendo em sua cidade.
  • Reserve uma parte do seu dia para trazer o livro como objeto de prazer. Desperte em seu estudante a curiosidade pelo livro. Se você for um professor preocupado em levar novidades desse tipo para sala de aula, a expectativa dele para suas aulas aumentará.
  • Não faça do intervalo das aulas um momento isento de contato com seus alunos. Observe as brincadeiras prediletas, os mais quietos, os mais agitados, converse com alguns, participe dos jogos. Crie um vínculo paralelo ao da prática pedagógica.



Avaliação inicial

Trabalhar com gente é descortinar a diversidade e a singularidade. Não podemos ignorar a questão da heterogeneidade de uma sala de aula.

Isso atrapalha? Depende de como encaramos esse fato. Visto por um ângulo, há a constatação de que o dia a dia da sala de aula é laborio¬so e muitas vezes cansativo; por outro, há a garantia do desafio e da riqueza dos resultados - caso saibamos aproveitar as diferenças.

Avaliar um estudante no trabalho com leitura e com literatura envolve aspectos que extrapolam os pedagógicos. Então, vejamos de que forma podemos acompanhar alguns deles:

Observe de que maneira se desenvolve a oralidade de seus estudantes nas rodas que você fizer em sala de aula.
Registre comentários interessantes que envolvam sua fantasia e seu pensamento criativo.
Num contingente de muitos estudantes, cuide para que você não se esqueça de registrar comentários de todos. Inclusive daqueles mais calados. É muito importante cuidar e incentivar os estudan¬tes mais retraídos, e a literatura ajuda bastante nesse sentido.

Monte uma ficha de avaliação que contenha os seguintes itens (segue uma sugestão de ficha-modelo):

fluência na leitura
estágio em que se encontra o leitor do ponto de vista pedagógico
comentários feitos sobre o texto (curiosos, criativos, normais, sem muito aprofundamento, etc.)
expressividade (inibido, expansivo, agressivo, invasivo, interessado, calado, etc.)
preferências literárias
possui algum lazer mais frequente?



- observações (aqui é importante que você coloque as suas impressões e seus sentimentos sobre o estudante)
Obs: Evitar resposta tipo SIM ou NÃO

Considerar que essa avaliação se faz a cada dia, ou seja, não estamos tratando de uma verdade que não se transforma. Pelo contrário, quando o assunto é literatura, as possibilidades de crescimento das crianças são constantes. Portanto, numere e date todas as fichas.


Guarde essa ficha com muito cuidado. Não deixe que ela circule ale-atoriamente, para evitar que dados momentâneos sobre o estudante se tornem verdades estigmatizadas sobre ele.

Periodicamente, reveja essa ficha e faça novos comentários sobre a evolução do estudante. Caso as alterações não sejam favoráveis, comente o que você pensa sobre isso. Não se preocupe tanto com teorias no mo¬mento de preencher essa ficha. O exercício de sua escrita sobre esse es¬tudante é o mais importante.


O texto escrito: o texto da literatura
Uma vez feita uma avaliação com o estudante, é necessário observar como a prática diária vem se posicionando com o texto escrito.

Observe de que maneira o texto é utilizado em sala de aula.
Liste as atividades que você vem desenvolvendo com o texto escrito, considerando a receptividade dos estudantes. Observe, cuidadosamente, aquelas em que os estudantes revelam maior resistência e tente identificar o porquê.
Comece a aproximar seus alunos do texto literário. Ofereça uma poesia num dia, uma crônica no outro. Sugira que eles tragam de casa algum texto de literatura que considerem interessante. Faça com que eles queiram participar.
De forma que o prazer sobre o texto não dissipe, aumente os de¬safios da aproximação com o texto da literatura, a cada dia. Colo¬que-os para criar textos. Mas muito cuidado para não pedagogizar a literatura.


O início de uma ação

Promover uma ação de leitura é muito diferente de discursar sobre a leitura. A sala de aula é repleta de pequenas e constantes surpresas que desorganizam o professor naquilo que ele havia planejado inicial¬mente. É importante ter consciência disso e tirar proveito das coisas que possam surgir.

Separe os livros de literatura que você pretende ler e procure traçar algumas atividades para eles, sem a interferência dos conteú¬dos da língua portuguesa. Ou seja, tente ver a literatura pela literatura e não a literatura como meio para alguma área de conhecimento. Leia todos esses livros.
Junto com os estudantes, faça um levantamento dos livros que existem na escola. Liste e coloque numa pasta.
Registre os livros que os estudantes já tenham lido. Da mesma forma, arquive esse documento.
Mostre para o grupo o número de livros lidos que foi levantado e lance o desafio: "como podemos aumentar esse número?" Aguarde respostas e registre os comentários.
Oficialize o dia em que vocês iniciaram o programa de leitura.
Determine um prazo, junto com o grupo, para reavaliar esse programa. Nesse dia, faça uma avaliação sobre o que está funcionan¬do bem e o que não está funcionando. Eles vão ter espaço e direi¬to para comentar sobre o programa de leitura, ao mesmo tempo em que você irá localizar como o grupo vem evoluindo.
Intercalando tudo isso, estarão acontecendo as técnicas de leitura (veja o próximo capítulo).
 

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